dom, 04 de maio de 2025

Conheça como funciona uma escola com modelo cívico-militar

Com foco na disciplina, colégios cívico-militares têm professores civis, mas monitores da área militar; conheça as características da modalidade educacional que uma escola de Rio Preto tem interesse em adotar

Sete horas da manhã, estudantes de pé, todos uniformizados, enfileirados, assistem ao hasteamento da Bandeira e cantam o Hino Nacional. Em seguida, após ouvirem a sirene, caminham em fila indiana até as salas de aulas.

Quem frequentou as escolas públicas na década de 1970, durante a Ditadura Militar, recorda muito bem deste ambiente educacional. Trazer esse clima de volta às escolas públicas é a promessa do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), proposta educacional do governo Jair Bolsonaro, que quase foi implantada na escola estadual Noêmia Bueno do Valle, de Rio Preto, mas foi barrada pela Justiça após contestação pela forma com que a mudança foi conduzida.

O estabelecimento de ensino público da região do Anchieta, zona leste de Rio Preto, está na lista de escolas municipais ou estaduais de 17 cidades paulistas que manifestaram interesse pelo Pecim,

Pelo programa, a escola recebe um militar oficial, com a função de assessorar o diretor na parte administrativa, e um coordenador dos outros militares que atuam como monitores. Eles irão trabalhar ao lado dos inspetores de aluno e serão responsáveis por ensinar sobre cidadania e respeito aos símbolos nacionais, numa espécie de retomada da disciplina Organização Social e Política Brasileira (OSPB), implantada na rede escolar em 1968, durante os governos militares, e extinta em 1993, durante o mandato do presidente Itamar Franco.

O Pecim prevê a contratação pelo governo federal de militares aposentados, numa parceria entre ministérios, para trabalharem como inspetores de alunos e na área administrativa das escolas. Eles não podem interferir no conteúdo pedagógico das instituições. Com duração inicial de dois anos, os contratos são prorrogáveis por até dez anos. Os salários são de 30% do valor de suas respectivas aposentadorias. Todos passam antes pelo curso de capacitação dos profissionais participantes do programa.

“Pelo projeto, nenhum professor será demitido. Não há interferência no conteúdo ministrado na sala de aula. Quem manda é o diretor. Os militares trabalham para colocar a ordem e a disciplina dentro do ambiente escolar e o professor fica apenas na sua função de lecionar. Hoje em dia, eles perdem 30% do tempo de aula pedindo atenção”, diz o deputado estadual Matheus Coimbra Martins de Aguiar, o tenente Coimbra (PL), presidente da Frente Parlamentar pela Criação das Escolas Cívico-Militares, na Assembleia Legislativa.

Convite a Rio Preto

No primeiro trimestre deste ano, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo enviou para todos os diretores de escola um questionário sobre o desejo de implantar o modelo. Em Rio Preto, apenas a direção da escola Noêmia Bueno do Valle aceitou aderir, segundo apuração feita junto à Diretoria Regional de Ensino (DRE).

Logo em seguida, foram feitas duas audiências públicas, virtual e presencial, para apresentação da proposta. Por fim, foi realizada uma assembleia com participação de funcionários, professores, pais e alunos. A previsão era de implantar o modelo a partir de 2023.

Juiz diz que Pecim tem caráter ideológico

O juiz José Eduardo Cordeiro Rocha, da 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, que concedeu a liminar para suspender a implantação da Pecim no território paulista, considerou que a instituição do modelo “aparentemente usurpou competência do legislativo federal”.

O magistrado afirmou que “o caráter nitidamente ideológico da estruturação das escolas cívico-militares, amparado em hierarquia e disciplina comportamental rígidas, típicas da organização militar, conflita com os princípios constitucionais que regem o ensino, lastreado na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, arte e saber, com respeito ao pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, além da necessidade de observância da gestão democrática do ensino público”.

Rocha, em decisão proferida no dia 8 de junho deste ano, lembrou a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação, regida pela Lei nº 9.394/96, que prevê a necessidade de que o ensino seja ministrado “com respeito à liberdade e apreço à tolerância”.

Questionada sobre a liminar, a Secretaria de Estado da Educação não informou se vai recorrer. Disse apenas que “recebeu e está analisando tecnicamente a decisão do Tribunal de Justiça do Estado”.

Para o juiz Evandro Pelarin, da Vara da Infância e da Juventude de Rio Preto, a implantação é positiva para a comunidade escolar. “O modelo que eu conheci e que foi implantado aqui em Rio Preto (em um colégio particular) não prega ideologia desta ou daquela vertente dentro da escola. Não interfere na liberdade do professor em ministrar o ensino de acordo com o conteúdo programático. Não vi nada disso. O que eu vi é um procedimento que prega a disciplina no estudo, a organização do aluno, a concepção da importância do professor e do aluno. Não sei como isso pode ser ruim para a educação. Repito. No modelo que eu conheci, só observei ganho de qualidade para a educação”. (MAS)

Apeoesp é contra a implantação do modelo

A implantação do Pecim na escola rio-pretense e nos outros estabelecimentos de ensino no Estado está suspensa por decisão liminar da 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, a pedido do Sindicato dos professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp).

O vice-presidente da entidade, Roberto Guido, afirma que a entidade se colocou contra por temer que o projeto represente a implantação de um tipo de ideologia conservadora no ambiente escolar. “Nós estamos com uma liminar devido à arbitrariedade. É uma escola que não tem nada de cívica, muito menos de militar. Escolas militares no Brasil são destinadas a uma parcela da população. A única coisa de militar neste projeto é o autoritarismo”, critica o sindicalista.

Para Guido, foi um erro da Secretaria de Estado da Educação consultar os diretores de escolas sem fazer um debate mais amplo com a sociedade.

Guido teme a repetição de constrangimento de alunos, com relação à uniformização da roupa e até cabelos. “Isso cria constrangimento para as meninas e alunos da comunidade LGBTQ+. O ambiente escolar não pode ter essa padronização porque pode oprimir o jeito de ser de cada estudante”.

O tenente Coimbra diz que não há pregação de ideologia. “A implantação não tem embasamento político. A escola civil militar existe há mais de 20 anos. Ela passou inclusive pelos governos do PT. Agora, ela está em processo de expansão e os resultados são sólidos”. (MAS)

Pais de alunos são a favor

O clima entre os pais de alunos da escola estadual Noêmia Bueno do Valle é favorável à implantação do modelo cívico-militar. A maioria, na faixa etária entre os 40 e 55 anos, frequentou as escolas durante os anos finais da Ditadura Militar.

Alexandre Frois, 45 anos, é um destes pais. Ele faz questão de levar quase todos os dias a filha de 14 anos na porta da escola da zona Leste de Rio Preto. Ele foi um dos participantes da assembleia que aprovou a adesão.

“Sou a favor por causa da qualidade de ensino que é diferenciada. Principalmente com relação à disciplina, que é rígida. Os adolescentes precisam disso. Hoje em dia as escolas estão muito abertas, permitindo muitas coisas”, diz o pai.

Outro pai favorável é Marco Antônio Teixeira, 53 anos. “Acho excelente. Já tinha que ter adotado há muito tempo. Vai ser bom para todos os alunos”, diz. Ele é pai de um aluno de 13 anos.

Mesmo não tendo participado da assembleia da escola, Cilene dos Santos, 45 anos, também concorda com a implantação do novo modelo de educação. “Tudo que for para melhorar a escola da minha filha, eu sou favorável. A escola é boa, mas pode melhorar”, diz.

Marcela Cristina Batista, 41 anos, mãe de uma estudante de 13 anos, tem dúvidas sobre a viabilidade do projeto. “Eu acho que é opcional de cada pai. Falta explicar como vai funcionar. A escola é boa. Minha outra filha estudou aqui também até o 9º ano”, diz a mãe. (MAS)

Rio Preto tem uma escola particular com o modelo, o Colégio Cívico- Militar (CCM), implantado no começo deste ano e com 500 vagas. Diferentemente do projeto do governo federal, a proposta educacional  foi elaborada pelo coronel Fábio Rogério Candido, diretor da Defenda PM, entidade composta por oficiais da Polícia Militar.

A ideia de criação surgiu após os oficiais da PM perceberem que a proposta do presidente Jair Bolsonaro (PL) de implantar as escolas militares iria demorar para ser adotada em Rio Preto.

Com apoio de pedagogos favoráveis à ideia, foi elaborado o projeto pedagógico embasado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), no Plano Nacional de Educação (PNE) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), além das diretrizes do modelo de educação implantado nos colégios militares do País.

As classes do colégio de Rio Preto são destinadas a alunos dos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e do ensino médio. Por ser uma instituição de ensino privada, tem cobrança de mensalidade, mas oferece bolsa de estudo.

As aulas são em período integral. A regra é de uso obrigatório de uniformes específicos com padrão militar. Os meninos são proibidos de usar brincos e pulseiras e as meninas têm que usar cabelo preso.

A proposta desta escola é preparar os estudantes para a carreira militar, tanto na PM quanto nas Forças Armadas. Tanto é que os estudantes já fizeram excursão para conhecer instituições de formação de oficiais no Estado de São Paulo.

O último ano do ensino escolar é voltado para os vestibulares de escolas militares de nível médio e superior, como a Academia do Barro Branco, em São Paulo, que forma oficiais da PM, e a Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ), de onde sai a elite das Forças Armadas brasileiras.

O próximo passo da Defenda PM é transformar o colégio em uma espécie de franquia educacional, para ser implantada em mais cidades do interior de São Paulo e até em outros estados.

Análise: Filosofia de formação integral

O Colégio Cívico-Militar tem como missão “proporcionar educação integral com máxima excelência aos alunos, compreendendo sua saúde física e psíquica, bem como os aspectos cognitivos, éticos, morais, afetivos e sociais”.

Nossa proposta pedagógica busca construir uma escola comprometida com a gestão democrática, com a qualidade e valorização do ensino numa aprendizagem dinâmica e plena, evidenciando uma escola comprometida em proporcionar educação integral com máxima excelência aos alunos.

Consideramos que a escola é um espaço de formação de cidadãos conscientes, participativos, responsáveis, críticos, com valores e princípios sólidos, que atuarão individual e coletivamente na sociedade e que busquem uma formação plena para a transformação da sociedade.

A filosofia do Colégio Cívico-Militar está voltada para a formação integral do educando, através do desenvolvimento pleno de suas potencialidades.

E tem como visão: “a formação do cidadão com base em valores e princípios sólidos e preparação do aluno para os estudos superiores e o mercado de trabalho. A liderança é estimulada entre nossos jovens, visando desenvolver habilidades e competências, muito além do aprendizado para que saibam assumir suas responsabilidades.

Marilena Estrella Facuri, Professora de pedagogia

Análise: Debate precisa ser com toda a sociedade

Acho absolutamente sem sentido. Isto não está previsto nem na LBD (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), nem no Plano Nacional de Educação. Temos outras questões muito mais graves a resolver na educação do que ficar instituindo este tipo de escola.

Isso me lembra um pouco aquele período da ditadura em que era obrigado ensinar na escola educação moral e cívica e assim por diante. Não faz sentido o estado de São Paulo estar aderindo a esse tipo de projeto. O que deveria fazer após dois anos de pandemia é ter um bom projeto para desenvolver com os estudante aquilo que não foi possível apresentar em conteúdo no em 2020 e 2021. Não tem sentido querer transformar os estudantes em pequenos militares.

Faltou um debate com a sociedade sobre o projeto. Não é apenas perguntar para diretores de escolas. Tem que perguntar para a comunidade toda. Desconfio muito destes procedimentos porque acho que muitas vezes a Secretaria assume um compromisso e depois ela mesma induz que todos aceitem.

Isso também aconteceu quando começou o processo de instalação de escolas em tempo integral. Sinceramente, não é por aí que se faz politica educacional. A proposta precisa ser clara para todo o estado de São Paulo.

João Cardoso Palma Filho, Mestre Educação Unesp

RAIO-X DAS ESCOLAS CÍVICO-MILITARES

O que é?

O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) é uma iniciativa do Ministério da Educação, em parceria com o Ministério da Defesa

O modelo se baseia nos colégios militares do Exército, das polícias e dos Corpos de Bombeiros Militares

Os militares atuam no apoio à gestão escolar e à gestão educacional, enquanto professores e demais profissionais da educação continuam responsáveis pelo trabalho didático-pedagógico

Participam da iniciativa militares da reserva das Forças Armadas, que são chamados pelo Ministério da Defesa. Policiais e Bombeiros militares podem atuar, caso seja assim definido pelos governos estaduais

Diferenças para a escola militar

As escolas cívico-militares são diferentes das escolas militares. Nesta última, o corpo docente é formado por militares e por representantes da sociedade civil. No Pecim, a direção e os professores são civis e os militares atuam na questão disciplinar e administrativa

ADESÃO

Podem aderir ao Pecim:

Escola em situação de vulnerabilidade social e com baixo desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)

Escola que ofereça as etapas Ensino Fundamental 2 e/ou Médio e, preferencialmente, atenda de 500 a mil alunos nos dois turnos

Escola que possua a aprovação da comunidade escolar para a implantação do modelo

As escolas que desejarem participar do Pecim precisam manifestar interesse junto à Secretaria de Educação, que conduzirá um processo de escolha

CAPACITAÇÃO

O Ministério da Educação oferece capacitação aos gestores, professores, profissionais da educação e militares das escolas com o objetivo de apresentar os pilares do Programa das Escolas Cívico-Militares e orientar sobre a implantação do modelo MEC

PERGUNTAS E RESPOSTAS

A qual etapa da educação se destinará o Programa?

O Projeto-Piloto do Programa destina-se às escolas de ensino regular que possuem as etapas Ensino Fundamental II e/ou Ensino Médio

É obrigatória a realização de consultas públicas?

Sim. É imprescindível a aprovação da comunidade escolar, por intermédio de consulta pública formal, com o objetivo de aprovar a implantação do modelo MEC naquela unidade escolar

O que acontecerá com os estudantes ou professores que não desejarem participar do Programa?

Sugere-se que as secretarias de educação dos estados providenciem mecanismos democráticos para garantir o direito à educação

Qual será o papel do militar na escola?

O militar atuará, em colaboração, nas áreas de gestão escolar e gestão educacional, a fim de contribuir com a melhoria do ambiente escolar

A Escola Cívico-Militar visa à militarização dos estudantes?

Não. Visa contribuir com a qualidade do ensino na educação básica, além de propiciar aos alunos, professores e funcionários um lugar mais seguro, passível de uma atuação focada na melhoria do ambiente e da convivência escolar

Quem pagará os militares?

Depende da parceria. No caso dos militares das Forças Armadas, será o governo federal. No caso dos militares da segurança pública, a contrapartida ficará a cargo do Estado

Os militares ocuparão o lugar dos diretores e professores?

Os militares não ocuparão cargos dos profissionais da educação previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e outras legislações educacionais

Os militares ministrarão aulas nas Ecim?

Não, os militares não atuarão em sala de aula, serão apoio no acolhimento e preparo dos alunos na entrada dos turnos, no intervalo de aulas e nos períodos de encerramento dos turnos. Colaborarão também nos projetos educativos extraclasses e na busca ativa dos alunos. A escola tem autonomia para a elaboração do seu projeto político- pedagógico conforme as legislações federal, estadual, distrital e municipal

 UNIFORMES

Os alunos das Ecim tem uso obrigatório de uniforme militar?

O programa sugere dois tipos de uniformes, o formal que personaliza a escola cívico-militar e o esportivo. As unidades de ensino têm autonomia para
definirem o que atende melhor a realidade da escola e o desejo da comunidade escolar

Uniforme formal

Boina ou casquete na cor azul escuro; camisa azul claro, meia manga, com ombreiras, tarjeta de identificação em tecido, divisas de braço com identificação do ano escolar e distintivo de bolso (brasão da Ecim);

Masculino: calça comprida azul escuro
com dupla barretina azul claro; cinto azul escuro com fivela lisa dourada; meia social na cor preta; sapato social preto, com cadarços; e jaqueta (opcional para ambientes frios).

Feminino: saia-calça azul escuro, com dupla barretina azul claro. Opcionalmente poderá ser calça comprida; cinto azul escuro com fivela lisa dourada; meia cano médio na cor branca, sem detalhes ou logomarca; sapato social preto, salto médio, baixo ou sem salto; e jaqueta (opcional para ambientes frios).

Uniforme esportivo

Casaco; calça; bermuda; camiseta meia-manga; tênis preto e meia branca

 CIDADES DO ESTADO ONDE O PROGRAMA JÁ FOI IMPLANTADO EM ALGUMA ESCOLA

  • Pirassununga
  • Guarujá

 CIDADES DO ESTADO COM ESCOLAS QUE DEMONSTRARAM INTERESSE NO PROGRAMA

  • Rio Preto
  • Lorena
  • Taquaritinga
  • Barrinha
  • Taubaté
  • Dracena
  • São Vicente
  • Mogi das Cruzes
  • Guaratinguetá
  • Americana
  • Botucatu
  • Bauru
  • Pedro de Toledo
  • São José do Rio Pardo

Fonte – escolacivicomilitar.mec.gov.br

Marco Antonio dos Santos – diarioweb.com.br

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