Região tem mais de 3 mil animais silvestres atropelados em 4 anos

Um filhote de cachorro-do-mato com menos de um ano de idade e pesando quatro quilos foi atropelado nessa sexta-feira (28), em Guarantã (SP), e levado à Associação Mata Ciliar, organização não-governamental que funciona na Faculdade de Medicina Veterinária da Unesp de Araçatuba e atua na recuperação de animais silvestres vítimas de atropelamento e de maus-tratos.

O cachorro-do-mato chegou ao local com o nível de consciência reduzida, desidratado e com baixa temperatura. A suspeita era de que ele tivesse sofrido um traumatismo cranioencefálico, conforme a veterinária da Mata Ciliar, Jaqueline da Silva Boregio, mas o diagnóstico seria confirmado após a estabilização do animal, que passaria por exames de imagens.

O caso deste cachorro-do-mato é apenas uma demonstração do que ocorre cotidianamente nas estradas e que foi objeto de estudo da doutoranda da Unesp, a médica veterinária Gabriela Cortellini Ferreira Ramos. Ela apurou que pelo menos 3,2 mil animais selvagens foram atropelados no Noroeste Paulista no período de 2018 a 2021.

Seu trabalho de conclusão da tese de doutorado aborda a chamada “ecologia de estrada”, que avalia os impactos da construção de estradas e rodovias na fauna e no meio ambiente.

“É óbvio que tais empreendimentos são essenciais para o homem, atendendo à sociedade em suas necessidades de locomoção, fluxo de alimentos, mercadorias, entre outros, mas o impacto direto e indireto gerado por uma estrada ou rodovia vem ganhando grande preocupação junto à sociedade, devido à expressiva repercussão sobre a fauna selvagem”, afirma a professora universitária Márcia Marinho, que é a orientadora de Gabriela no trabalho.

Em todo o País, o número de animais selvagens atropelados, também conhecidos como fauna de estrada, gira em torno de 475 milhões por ano, segundo o Centro Brasileiro de Estradas. O atropelamento, hoje, é considerado a segunda principal causa de perda da biodiversidade, ficando atrás apenas do tráfico de animais.

O levantamento feito pela doutoranda aponta que foram avistados, afugentados e atropelados um total de 7,3 mil animais de 73 espécies, nos últimos quatro anos, no Noroeste Paulista. Dentre elas, algumas estão em extinção, como o tamanduá-bandeira e o jacaré-do-papo-amarelo.

Politraumatismo e sequelas
Em relação aos 3,2 mil atropelados, a maioria sofre politraumatismo e acaba morrendo. E nem todos os que sobrevivem podem ser reintroduzidos na natureza, porque ficam com sequelas. O maior número de atropelamentos é o de capivaras, animais que andam em bandos e são de grande porte, o que aumenta o risco de colisão.

Dentre os outros animais que foram atropelados no período da pesquisa estão tamanduá-mirim, tatu, onça-parda, onça-pintada, macaco-prego, seriema, macaco-aranha, jibóia, jabuti, cágado, dentre outros.

O trabalho foi feito em parceria com uma concessionária da região e a Associação Mata Ciliar, em uma extensão de 331,13 quilômetros em uma rodovia do Noroeste Paulista e também em vias de acesso e vicinais, durante o período de janeiro de 2018 a novembro de 2021.

Alguns dados não foram totalmente divulgados, como os nomes das vias, dada à necessidade do ineditismo da tese de doutorado, que deverá ser apresentada em março deste ano.

Ciclo de atropelamentos
Outro dado relevante da pesquisa é que a maioria destes atropelamentos ocorreu no período noturno, aumentando o risco de acidentes. Conforme Gabriela, a movimentação natural dos animais e a presença de alimentos, como grãos que caem dos caminhões, podem gerar os atropelamentos. “Os animais se deslocam para se alimentar dos grãos e acabam sendo atropelados. As carcaças atraem outros animais, em busca de comida, que também são atropelados e, assim, gera-se um ciclo de atropelamentos”, comentou Gabriela.

O estudo também levantou os chamados hotspots ou mapas de calor, que são os pontos mais perigosos da rodovia, com maior incidência de atropelamentos. O objetivo é apresentar as melhores ações, também chamadas de medidas de mitigação, a serem providenciadas para reduzir os efeitos do impacto ambiental negativo, resultando na diminuição do número de colisões e maior proteção à fauna.

Conforme Gabriela, há mais de 40 medidas de mitigação que vão desde passagens de fauna subterrânea, viadutos, pontes, cercas e barreiras até campanhas educativas e sinalização viária.

“O intuito do projeto é que essas medidas de mitigação possam ser implantadas, que exista uma consicentização dos motoristas e a criação de políticas públicas para a preservação da fauna e do meio ambiente”, disse Gabriela.

Ela orienta que, ao avistar um animal, as pessoas devem avisar a concessionária da rodovia ou a Polícia Ambiental, para que os animais sejam recolocados em seu habitat, evitando, assim, os atropelamentos.

Tamanduá se recupera de cirurgia; sagui foi vítima de comércio ilegal
A Associação Mata Ciliar, organização não-governamental que atua na recuperação de animais silvestres vítimas de atropelamento e de maus-tratos, notou um aumento no recebimento de espécies que precisam de atendimento, nos últimos seis meses.

Até julho do ano passado, a ONG, que funciona na Faculdade de Medicina Veterinária da Unesp, recebia 30 animais/mês. De agosto para cá, passou a recepcionar entre 80 a 90 animais por mês, um aumento de pelo menos 166%. Uma possível explicação para o aumento seria a retomada da economia pós-pandemia e um consequente aumento na movimentação nas estradas.

Hoje, o espaço tem vários filhotes de maritacas encontrados feridos ou órfãos, sem cuidados maternos, com lesões nas patinhas. Há, ainda, um tamanduá-bandeira levado para a Mata Ciliar em agosto de 2021, após ser atropelado. Ele sofreu fratura no fêmur, foi operado e, atualmente, cinco meses após a cirurgia, ainda está em processo de cicatrização óssea.

A ONG também está cuidando de dois saguis, espécie de macaco. Um deles foi comprado ilegalmente e recebeu alimentação humana, sendo vítima de uma osteodistrofia nutricional, ou seja, seus ossos não se desenvolveram devido à alimentação inadequada. O outro foi encontrado no quintal de uma casa. Estava magro e desidratado. Nos dois casos, é possível que não seja possível a reinserção na natureza, pois se tornariam presa fácil de outros animais.

O espaço tem também três cachorros-do-mato em recuperação. Um deles foi atropelado por uma colheitadeira de cana-de-açúcar, perdeu uma das patas. Outro animal da mesma espécie se recupera bem em uma das baias da ONG. Já o terceiro, também encontrado atropelado, é um filhote que estava com baixo nível de consciência e passava por uma estabilização, nessa sexta-feira (28), antes de passar por exames de imagens.

RP10

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