Confiante em uma alta taxa de eficácia da Coronavac, o governo de São Paulo mudou de tática para pressionar a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a aprovar a vacina contra Covid-19 ainda neste ano.
Se isso falhar, contudo, já estão sendo estudadas medidas judiciais para levar “guerra da vacina” entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador João Doria (PSDB-SP) para o Supremo Tribunal Federal.
Em vez de divulgar a eficácia em estudo preliminar da sua fase 3, o que seria feito nesta terça (15), o estado irá esperar até o dia 22 e apresentar o ensaio completo para pedir o registro do imunizante chinês na Anvisa.
Além disso, em acerto com o fabricante chinês Sinovac, a vacina terá o registro pedido ao mesmo tempo na NMPA (Administração Nacional de Produtos Médicos), a Anvisa do país asiático.
A expectativa no governo estadual é de que a China conceda o registro definitivo da Coronavac em cerca de três dias.
Isso colocará a Anvisa numa posição difícil, até porque a legislação aprovada em fevereiro sobre o tema a obriga a analisar em até 72 horas qualquer fármaco contra a Covid-19 que tenha aprovação de agência de vigilância americana, europeia, japonesa ou chinesa.
Na China, já há uma aprovação emergencial para o uso da Coronavac.
Esse salto será possível porque aumentou o universo de voluntários infectados pelo novo coronavírus no braço brasileiro da fase 3, patrocinado pelo Instituto Butantan, que irá produzir a vacina no país.
Quando o órgão decidiu fazer o estudo preliminar, em 23 de novembro, já havia 74 infectados entre mais de 10 mil voluntários que tomaram a vacina ou um placebo.
Com 61 casos, seria possível fazer a estimativa preliminar da eficácia do imunizante e fazer seu pedido de registro, mas havia o temor entre membros do governo paulista de que a Anvisa exigisse mais dados. No Palácio dos Bandeirantes, o órgão é visto como um aliado de Bolsonaro contra Doria.
Enquanto o cálculo da eficácia era iniciado, o número de contaminados chegou a 170, ultrapassando os 151 necessários para considerar o estudo completo —isso considerando a realidade da pandemia, já que os voluntários serão acompanhados por dois anos para avaliar todos os parâmetros de sua saúde.
Entre técnicos do Butantan, a expectativa é de que a vacina atinja alto grau de eficácia, semelhante a outro imunizante chinês que também usa como vetor o vírus inativo, feito pela Sinopharm. Nos Emirados Árabes Unidos, estudo preliminar de fase 3 mostrou 86% de eficácia.
Na corrida mundial para deter a pandemia, a FDA (a Anvisa norte-americana) já aprovou o uso da vacina da Pfizer, que tem eficácia de 95% e usa uma tecnologia nova, de inserção de material genético como vetor para estimular a resposta imune.
Se a vacina tiver 50% de cobertura, já pode ser usada, segundo as regras da Anvisa. Os ensaios começaram no dia 20 de julho no Brasil e estão sendo revisados pelo Comitê Internacional Independente, que acompanha os testes do imunizante.
Após o resultado final estar compilado, o acervo do ensaio terá de ser traduzido para o chinês e enviado para a NMPA.
A fase 3 brasileira andou mais rápido do que a chinesa e a em outros países, como a Turquia, porque aqui há maior circulação do vírus. Nessa etapa final, os voluntários são expostos às condições de vida real.
Nas duas fases anteriores, a Coronavac já havia demonstrado ser segura e capaz de provocar resposta imune em até 97% dos participantes dos ensaios na China. Esse índice sempre cai etapa mais ampla. Para alguns pesquisadores, vacinas com vírus inativados muito boas teriam 70% de cobertura.
O índice é calculado fazendo uma análise da infecção entre quem foi inoculado com as duas doses da Coronavac e quem recebeu placebo, uma solução salina inócua. Também ocorre a estratificação por grupos, como idosos, para determinar se há graus diferentes de eficácia.
A disputa entre Doria e Bolsonaro remonta ao começo da pandemia, que já matou mais de 180 mil brasileiros. Prováveis adversários no pleito presidencial de 2022, eles adotaram posturas opostas: o tucano se apresenta como um prócer de uma abordagem científica e o titular do Planalto, como um negacionista.
A emergência da questão da vacina acentuou a rixa. Doria apostou desde junho no acordo com a farmacêutica chinesa Sinovac Biotech, que é bombardeado pelo presidente.
Quando a Anvisa suspendeu a fase 3 sem avisar o Butantan porque um voluntário havia se suicidado, algo celebrado por Bolsonaro, a suspeita do uso político da agência tornou-se certeza em São Paulo.
Na segunda passada (7), o tucano anunciou um plano de imunização escalonado a partir do dia 25 de janeiro, que busca atingir os 9 milhões mais vulneráveis (trabalhadores de saúde, indígenas, quilombolas e quem tem mais de 60 anos), entre 46 milhões de paulistas, até março.
Pelo planejado, as doses serão aplicadas com 14 dias de intervalo, e a proteção é esperada em cerca de um mês após a primeira injeção. O Butantan conta ter 6 milhões de doses prontas e 40 milhões formuladas localmente até 15 de janeiro.
Das vacinas prontas, com seringa e agulha, 120 mil já chegaram. Dos 600 litros de insumos para formulação e envase, 960 mil doses ficaram prontas em três dias na semana passada.
Já o governo federal patina, apresentando ora um plano de imunização a partir de março que excluía a Coronavac, depois afirmando que poderia começar a vacinação emergencial neste ano, sem dizer com qual fármaco.
O ministro também disse que a Anvisa demoraria 60 dias para aprovar qualquer vacina, ignorando a lei acerca da análise expressa. Segundo o texto, se a agência não der seu aval em três dias para imunizantes já chancelados no exterior, a aprovação será automática —exceto que alguma justificativa técnica seja apresentada contestando a análise estrangeira.
Para agravar o conflito, na sexta-feira (11) o governador Ronaldo Caiado (DEM-GO) disse que Pazuello considera uma medida provisória para confiscar vacinas e centralizar a distribuição nacional, algo que a Saúde negou depois.
Com 12 estados negociando comprar a Coronavac, Doria se prepara para ir à Justiça se a pressão regular não funcionar ou se Bolsonaro tentar alguma ação heterodoxa. A Procuradoria-Geral do Estado já está com estudos avançados sobre os cenários possíveis de enfrentamento federativo, que inevitavelmente acabarão no Supremo se for necessário.